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domingo, 20 de junho de 2021
Entre Ásperas
terça-feira, 6 de outubro de 2020
Sentado só...
Quando ele apareceu, causou impacto. Aliás, como
ocorrera no passado, com aquela estória da pedra no meio do caminho. Até mesmo os amigos modernistas estranharam aquela pedra. Agora,
nada era diferente. Causava estranheza um sujeito sentado eternamente na praia
desta cidade onde habito. Não se movia, não falava, não tinha intenção de sair
dali (pelo que se percebia em seus olhos pequenos e tranquilos), mas o coração
estava cada vez maior, mais acelerado, abraçando a cidade e despertando todos os sentimentos
aprisionados do mundo.
... Havia um homem sentado em um banco da Avenida Atlântica, asfixiado, segundo a ligação feita à polícia no 190. Tinha a cabeça coberta por sacos de plástico e estava imóvel. Causava medo e pânico a visão de um homem silenciado, amordaçado no entardecer de Copa. Sem dúvida, a cidade estava cada vez mais assustadora! No outro dia tudo se elucidou: Carlos Drummond de Andrade estava eternizado em bronze e poesia, em pleno calçadão da Atlântica. Ficará, de hoje em diante, na praia, dando continuidade ao seu quotidiano prazer de passear calmamente entre tantos desconhecidos, pelo calçadão de Copacabana, no final da tarde. Restará lá, voltado, não para o mar, mas para a calçada, onde possa ver toda gente passando e ouvir muitas, muitas palavras, trazidas pelo vento do mar.... Palavras autônomas, libertadas de seus autores, da voz, do traço, vivas, quentes, frias, perfumadas, plenas, vazias...
Qualquer um de
nós, previsível e comum, instintivamente, estaria voltado para o oceano, a
contemplar o mar. Ainda mais quando se trata de mineiro. O mineiro fica, mais
do que qualquer um, ali por horas, extasiado a contemplar aquele mar imenso, as
ondas, o céu, até os olhos se cansarem no infinito e procurarem repouso no
verde das montanhas do Forte do Leme. Mas, tratando-se de Drummond, este
restará sentado de costas para o mar, resistindo eternamente aos “apelos suicidas
das pequenas ilhas” ... Parece que já exauriu toda a beleza da natureza e,
satisfeito, só se ocupa com gente, porque delas terá ainda palavras para ouvir... Não resta nada mais para descobrir no mar ou em suas ilhas, mas nos
homens, ainda há tudo... Tantas palavras a serem escritas... Ele olha e ouve...
Sei que poderia não se tratar mais do olhar malicioso e único, dos garotos que
querem ver meninas bronzeadas passando de biquíni, mas do olhar maduro do homem que
conhece tudo, que já falou de quase tudo, que já se encantou com tudo, diante das suas retinas fatigadas... Mas não descarto a possibilidade de ele ainda se
enternecer com a beleza que passa. Parece que está mais absorto que o de
costume. É quase certo estar ainda cismado com o exagero de pernas que vê passar
e se pergunta “por que tantas pernas brancas pretas amarelas?” Muitas pernas
nas praias, todas tão belas, como eram muitas nos bondes... Não contempla o azul do mar, porque
vê os edifícios/ “casas que espiam os homens que correm atrás das mulheres em
tardes que deixam para trás o azul” e se fazem vermelhas de tantos desejos.
Seus olhos tudo veem na calçada e no entanto “não perguntam nada”. Gastará
muito mais que hora pensando num “verso que se encontra aprisionado e vivo” e
não quer sair, e por isto, inundado de poema, restará sentado naquele banco, onde o provocam moças e novas palavras que se tornam mais belas.
Sentado só,
expõe ao mundo sua solidão vendida em livrarias, fazendo eterno seu olhar
filosófico sobre os acontecimentos, amigos, amor e morte, eternamente preso à
vida. Os homens serão presentes, a vida presente e nem ele fugirá para as
ilhas, mas restará ali, eternamente, na vida presente.
Quando ninguém observar seus movimentos, no meio da noite, ele se
deslocará calmo e cabisbaixo até a areia e, vergado sob o peso de seus
sentimentos, domando mil outras novas palavras, porque tantas delas e tão vivas
incomodam o seu eterno sono, escreverá outras poesias. Furtivamente,
ocultamente, ousadamente, como fez em seus poemas eróticos, sigilosamente, sem
que ninguém se desse conta de sua sensualidade e de sua amada. Escreverá na noite.... Muitas
ondas discretas, cúmplices, apagarão os versos que irão morrer no mar. As ondas
encobrirão - comparsas - as últimas intimidades do poeta e suas novíssimas
palavras...
Sozinho, no escuro, “sem parede para se encostar,
sabendo que a noite esfriou, que o dia não veio”, eu o encontrarei, sentado só,
preso à vida e às palavras vivas que habitam seus pensamentos e preso ainda a
seus companheiros, e ele “não cantará o mundo futuro” ...
Terei acordado
no meio da noite, terei perdido o sono e, “sob a glacial idade de uma estela”,
me sentarei ao seu lado para lhe fazer companhia, querendo descobrir em que
momento as palavras nascem, e se nascem como as estrelas...
Ah! Se eu soubesse como fazê-las nascer, teria largado
para trás essa tristeza acre, exalada de um coração enredado em arame farpado,
que cerca a minha alma e meu gado. Por não saber como nascem as palavras, nem
como vivem, tenho cá um corpo vergado sobre minhas costelas, doído, envelhecido
e magro, andando sempre em silêncio e cabisbaixo. Vivo solitário e mudo, por
não encontrar as palavras certas para dizer que deixei para trás minha cidade,
cercada por montanhas, escondida pedra preciosa esculpida em ventanias, em
busca da minha ilusão de ser poeta...
Paro,
interrompo meu silêncio e o dele. Juntos olhamos a cidade e as pessoas que passeiam pelo calçadão no final do dia. Sento-me ao lado do homem que nada diz, mas que me conforta.
Um menino de rua senta-se ao nosso lado. Timidamente
contempla a estátua, acaricia longamente o rosto do poeta com seus dedos sujos
de graxa, sorri e emocionado afirma: - Parece que ele está vivo, né moça? ...
12/02/2003
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Morro do Pendura Saia
Desde que a mãe retomou à casa para criar os filhos, Pingo e a irmã deixaram a casa da avó, indo viver na ladeira do Morro do Pendura Saia, no Rio Comprido. Eram 102 degraus do campinho, do acostamento da ladeira, até a casa grande de Dona Isabel. No quintal havia uma dezena de casas miúdas que ela alugava para gente mais pobre da região. Um cortiço bem organizado. O moleque Pingo vivia na casa da Rua Azevedo Lima, 154, onde podia conviver com pessoas de toda sorte. Não fazia distinção; com a tal idade da inocência nem percebia a diversidade que punha uns aqui, outros ali, na gaveta de índios, brancos, mulatos, amarelos, negros. Para ele era tudo gente, sem lugar no mapa, que tinha uma escadaria para subir e descer várias vezes ao dia. Pingo amava a velha Lurdes, já de sessenta anos, e bem castigada na aparência; ela o cercava de mimos. Mulher rezadeira boa de curar quebrantos. Ao menino deu o nome, prestidigitou o futuro de craque, batizou com nome Pingo, de duas sílabas, porque achava que isto seria de bom agouro, como o nome de Zico, Pelé, Didi, Tostão, e tantos outros. Antes que virasse rapaz já mostrou o mundo feminino, nas suas formas mais claras e expressivas. Sexo tão evidente e natural, das moças subindo a escadaria, sem as roupas de baixo, na nudez dos farrapos e ausência de más intenções; era a pobreza que mostrava os corpos magros, toda vez que elas subiam a escadaria da ladeira. Já que seria um craque, que se acostumasse com as moças e aprendesse a se envolver e se proteger delas.
Nem
era mesmo para ele ver, naquela idade, ou para ela apontar para ele aquelas
meninas, ou deixá-lo à mercê de tantas pernas que subiam e desciam a ladeira.
Ele ainda era menino de dez, doze anos, no máximo, sem esses atrativos do
mundo. Era para ele só se ocupar de jogar bola no campinho, lá para baixo de
onde morava e ir à escola. Futebol era a sua única chance de mudar a vida e a
dela também. Mas a velha Lurdes fazia tudo que o endiabrado pedia. Ela mostrou
as meninas, para aliviar a curiosidade do menino a quem carinhosamente chamava
“chute de ouro”. E ele se deu por satisfeito com o que viu, convicto de que
nasceu macho, assegurando-se de que apreciava mesmo as mulheres.
Havia
no meio de tanta gente, uma jovem de certo modo bem atraente. Tinha sido muito
bonita, é verdade. Mas agora já mostrava sinais de falta de cuidados... Era outra
sorte de gente, a tal Judith, que vivia escondida “provisoriamente” no Pendura
Saia. Era o que dizia o empresário “dele”: Fica quietinha aí que a gente vai
dar um jeito. Todo mês deposito o suficiente na sua conta, até sair a
negociação do passe dele. Tem que ter calma, para não atrapalhar. Judith já
vivera em Copacabana, com luxos e popularidade. Transitava livremente no clube
dele e ia aos estádios, acompanhando-o bem de perto. Tinha perdido o posto de
primeira-dama, trocada no final do campeonato carioca e agora amargava a
solidão. Uma mulher mais jovem tinha
ocupado o seu posto no coração dele. Perdida em tantos incompreensíveis
dilemas, apontados pelo empresário, uma coisa apenas a preocupa: esperar um
filho dele. Isto mesmo, dele... Não podia divulgar seu nome. Era um acordo com
os advogados do jogador.
Pela
incerteza da moça, esperando ser acolhida no seio da família “dele”, Judith ia
cumprindo o que eles exigiam: que guardasse o nome do jogador, longe da
especulação dos jornais, das manchetes, para não acabar com a carreira dele e
não desvalorizar seu passe. Ainda mais agora, que estava na mira de um time da
Espanha. O nome dele ninguém sabia, mas todos sabiam que ela carregava uma barriga
que valia ouro. Se ele não se manifestasse, até a criança nascer, era só pedir
o DNA e a coisa toda se resolvia. A molecada do futebol sabia da história, mais
ou menos, e passou a gritar que ela era uma Maria Chuteira, toda vez que a
infeliz passava. Era como um relâmpago a
incendiar o mundo. E no meio de estrondos, palavrões e lágrimas da infeliz
surgia o ódio e a depressão no coração de Judith.
-
Seu sem-vergonha... Vou picar você a navalha... Quebro a sua perna e não joga
mais bola... E partia atrás dos meninos que se espalhavam pelo campinho. Pingo
despencava ladeira acima em busca de socorro. Corria querendo alguma ajuda em
nome de Deus, que pudesse salvá-lo das mãos armadas da louca.
O
tumulto no campinho, a seguir ao caos, tudo silencia no alto do morro. Os
gritos e palavrões dela, o choro e o medo dele, a chuva que começa, viram coisa
miúda, na extensa escadaria de cento e dois degraus. Lá encima o rosto de Dona
Odette, a mãe de Pingo, ilumina a vista do menino, ilumina a visão da mestiça
enlouquecida, que vagueia pelas ruelas, como se fosse dia, para ele se salvar.
-
Meu Deus, que gritaria é essa? ...
Afogueada,
temendo arder em ódio de tamanho desentendimento, a mestiça grita exasperada
brandindo no ar a navalha:
-
Esse menino endiabrado! ... Esse peste. Toda vez que eu passo, ele e os outros
me xingam... Vou cortar ele todinho a navalha... Minha barriga, meu Deus, dói
de tanto que corri atrás dele.
Muita
coisa fica assim esclarecida no meio daquele alvoroço. Nos dias que ela estava
muito bêbada, não se dava conta de que os meninos zombavam dela. Os
refinamentos eram possíveis quando estava bêbada: não sabia que a ofendiam,
passava pelos meninos sem compreender a algazarra, como se tratasse de uma
gentil louvação. Uma saudação cortês era o que sentia e sorridente para eles
acenava retribuindo o gesto. Era sim, gentil, quando perdida no álcool e a nada
revidava, nem gritava pelas ruas, porque realmente nada compreendia dos
palavrões, desde que se soubesse cheia de cachaça. Quando não bebia,
modificava-se. Agora lúcida sabia que era ofendida:
-
Por isso não preciso de ninguém para me defender. São esses meninos que me
xingam... Uns demônios! Judith fica eufórica e chora até ficar rouca. Depois
cai exausta, ante a ofensiva da chaleira de água fervente que Dona Odette ameaça
jogar sobre seu corpo luzidio, para defender a vida do menino. Exausta de
equilibrar a barriga grande sobre as pernas finas e trêmulas; extenuada pelo
esforço na escadaria, a louca Judith ainda ameaça, estala a língua, blasfema,
cospe no chão a grossa saliva. Finalmente sorri contraditória, enquanto esconde
a navalha em arremedos de frouxo soutien, deixando a ameaça de que vai pegar o
menino sozinho lá embaixo no campinho de futebol. Na grandiosidade das
tormentas e gestos amplos da enlouquecida, o menino sente que nunca mais poderá
sair de casa, ou ter paz... Tem sonhos incríveis, abate-se à noite em densos
suores e se vê retalhado. Nunca mais voltará ao campinho.
Manhã
cedo correndo no outro dia e Dona Odette vai atrás da velha Lurdes benzedeira
pedir ajuda. A velha emocionada tenta abraçá-lo, mas o menino está apavorado,
depois dos pesadelos com muito sangue e se esquiva para os braços da mãe que
conta tudo. Os olhos da velha negra aumentam, se arregalam, as sobrancelhas
fazem uma só pergunta:
-
Ficou louca, a tal Judith? ... Como se atreve a assustar um menino tão pequeno?
... O meu craque, o meu jogador da seleção?
-
Parece que sim, velha. Judith orreu atrás dele com uma navalha...
-
A louca bebeu. Com certeza... Melhor ela deixar em paz o meu tesouro e não me
apoquentar com suas carraspanas. Ela não teria coragem...
-
Agora só bebe de noitinha, ouvi dizer, para conseguir dormir. Esses meninos
também não tomam jeito, desafiando uma coitada, uma infeliz daquelas com
xingamentos.
-
Mas criatura de Deus... É blasfêmia, não é? Meu tesouro não é disso... Nem
repete que ele anda na corriola dos “bocas-sujas”. Meu craque não faz isso, não
é? ...
O
coração de Pingo quase para. A voz pequena de Pingo o defende sem grande
convicção e com maiores dúvidas:
-
O quê? Eu não xinguei não senhora. Só disse que era puta!
-
É pecado, meu menino, voz do demônio, que manda fazer essas coisas ruins.
-
Juro que não faço mais...
-
Então você se esqueceu dessa vez, não foi? Enganou-se... Não vai fazer mais... O
que você falou é nome feio. É coisa do mal.
No
vazio do coração amedrontado, no tremor dos dentes, a língua se enrolava e se
perdia:
-
É tudo verdade, ajudei a gritar que era filha da puta. Eu juro. Não faço mais.
Eu não sabia o que era...
- Vai embora, Dona Odette. E você, meu
tesouro, vai com sua mãe... Vou fazer um banho de proteção para se resguardar
de todo o mal. Reza bastante, pede perdão e para de atormentar a pobre da
Judith. É uma desgraçada, uma infeliz com um filho na barriga, mas vou resolver
isso de uma vez. Trate de agir como um homem de verdade!
Odette
tratou de se acalmar... Ela defendendo a cria. A velha Lurdes fazendo
exorcismos, persignando-se, meio bruxa, meio feiticeira, mas sempre aliada de
Deus, pedia que nada atrapalhasse a trajetória do seu campeão, nascido e
abençoado para vencer. Pingo saiu apressado prometendo nunca mais ofender a
desgraçada... Nem sabia o que era palavrão; era só puta o que dizia... Depois a
velha Lurdes suaviza:
-
Esquece! Nem fala mais nisso, melhor mesmo deixar de pensar no acontecido e não
perder o sono. Abençoo-te em nome de Deus! Agora vai em paz que eu vou
resolver. Ela não vai ter coragem de mexer com você. Pode dormir tranquilo.
Dona
Odette voltou bem mais calma para casa, arrastando o pequeno pelas mãos...
-Viu
só meu filho? É pra isso que tu tens mãe.
............................................................................................
Volta
o menino ao ensolarado das ruas; começa seu trabalho de ir tranquilo para a
escola e na volta jogar futebol. Vai ao campinho, na base da ladeia do Morro do
Pendura Saia. É ali que ele sonha o seu futuro: jogar no Vasco da Gama e depois
na Seleção.
Mais
um dia em torno do campinho. Alguém grita: lá vem a Judith Navalhada... Maluca!
Olá maluca! O pequeno Pingo não entoa mais cantoria nenhuma contra ela;
arrependeu-se. Pede para os outros moleques a deixarem em paz. Mas o mundo é
tão grande que ela não escuta, porque está bêbada. O alarido parece-lhe uma
saudação calorosa de meninos a cortejar a moça magra com risos e cantilenas
agradáveis. Ela acena feliz para os meninos. Gosta de todos que a cumprimentam e
acenam efusivos. Não sabe distinguir palavras e palavrões.
De
noite, hora da sopa na igreja, a pobre Judith encara a benzedeira Lurdes:
-
Para com isso, Judith. Já mandei não assustar os meninos. Precisa rezar...
-
Sô “mendinga” de rua, mas num minto. Ele me xingou. “Mendinga” de rua. Eu sei
que sou, mas não filha da puta, nem puta, que meus “fio” tudo tem pai.
-
Filha, faz favor, pega um prato e vai pra fila. Esquece essa história que não
tem utilidade. Nunca mais ameace meu menino! ...
Uma
ardência sanguínea parece rasgar sua língua ao meio diante do desafio da
benzedeira, guardiã do terreiro; intensos vermelhos tingem os olhos que só
choram. Na alma de Judith só dor e revolta de ser injustiçada:
-
Faço estripulias, vou logo avisando, pico ele todinho na navalha, que não sou
filha da puta, nem puta, que isso me dói “nas entranha”...
-
Está vendo, minha filha? Não disse que é o demônio? Pede perdão, criatura.
Reza. Credo, “tu ta loca!”.
-
Por meu filho sagrado. É verdade. Quebro a perna dele. Nunca mais ele faz um
gol...
- Pois trate de ficar longe do meu
tesouro, que ele nunca mais vai lhe ofender.
Os
dias seguintes foram um crescente de luta para Judith, ora bêbada e calma,
satisfeita com a "saudação" dos meninos; ora sóbria e esbaforida com
a sua humilhação, abandonada pelo jogador, pelo empresário, por todos, sofrendo
de cansaço e escárnio até que se abateu na beira do campinho de futebol. Depois
foi agarrada, socada e chutada por outros mendigos. De repente, sangrou. E
tanto sangrou, que na espera da ambulância perdeu os sentidos e um filho que
tinha dentro da barriga... O filho dele, o artilheiro, acabou ali mesmo com
toda sua esperança!
É
uma história triste. Não tem mais filho nenhum; não tem ninguém, nem família.
Só os meninos do campinho de futebol se dirigiam a ela, acenando e aquecendo-lhe
o coração, quando a pobre coitada estava bêbada; sóbria era só amargura.
- Judith
Navalhada, filha da puta! ... Entoavam todos os dias, os meninos da Ladeira do
Morro do Pendura Saia, lhe dando boa tarde e ela bêbada acenava feliz
retribuindo a cortesia.
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Três Contos de Réis
1- Vício:
Ela
se queixou, a vida inteira, do incontrolável vício do marido.
-
Não suporto, dizia sempre aborrecida! E não se permitia ser beijada.
Extraordinariamente,
na quarentena, não teve vergonha ou nojo do cheiro forte de álcool que todos na sala
exalavam.
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2-
Revelação:
Enamoraram-se. Juraram amor eterno. Em poucos meses foram viver juntos. Só o casamento foi capaz de desmascará-los!
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3-
Sedução:
Ele a mirava com grande interesse. Sua
maior fantasia era vê-la, finalmente, sem a máscara.
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Autora: Valéria Áureo
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
Cantigas de Amor, de Amigo, de Escárnio e Maldizer.
domingo, 16 de agosto de 2020
Narrativa das Improbabilidades
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Na Fila do Pão
- Calma... Aprenda a esperar, porque daqui por
diante... Pode ser gentil a todo instante, mas sempre haverá uma coisa no seu
comportamento que não vai agradar. É assim mesmo. Dormir? Não, esqueça de uma
vez! Não vai dormir nunca mais, como antes. A patroa virou mãe. Segura o seu lado
highlander e entre suavemente no mundo
cor-de-rosa. É melhor andar sem sapatos em casa.
- Então é melhor levar pão doce!
- Vai por mim: leva sonhos!
Autora: Valéria Áureo
terça-feira, 11 de agosto de 2020
Emaranhados e intrigas
segunda-feira, 10 de agosto de 2020
Adeus
sexta-feira, 31 de julho de 2020
A Geometria do Amor
Poderíamos pensar que o amor é facilmente decifrável, exato e geométrico. Poderia ser feito de espelhos, linhas curvas e sinuosas dobras dos joelhos; uma sucessão de pontos enigmáticos a se perseguirem nos enlevados toques de ventos no corpo. Poderia ser problemático, matemático, calculável, resolvível, como uma equação de segundo grau. Poderia ser removível como uma nódoa de vinho, decifrável como um mistério, reciclável como papel. Ah! O amor tem muito mais do que os traços e embaraços de muitos fios elétricos enredados pela cidade eletrocutando corações. O amor é pane! Sim, é pânico; “é fogo que arde” ... Lava incandescente descendo morro. O amor pede socorro!
O amor começa com um ponto, dois, três, reticentes e, ao se darem conta, duas almas embriagadas correm tangenciando o infinito. Dois pontos extremos extrapolam o desenho só para se encontrarem e, ao se verem, um grito! Ah! Afinal! Um beijo. Fugaz abandono do plano exato, do fino traço arquitetônico e, então enamorados, dois rabiscos assumem forma, volume e se compõem no sólido e no insólito. Ocupam finalmente o espaço. Dúvidas e, também desastres; outros pontos desconectados perseguem os dois pontos amantes e afins, outrora felizes, ora ameaçados por mais um ponto fraco e invejoso, que interfere nessa dualidade monolítica e consagrada. O que era para ser um projeto (de vida) de duas forças iguais, em um esboço equilátero, equidistante, equivalente, na perspectiva de um afetuoso milênio, passa a ser, miseravelmente, para os dois, um triângulo desengonçado, esquizoide e neurastênico. Ah! A geometria do amor...
Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações
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